FONTE:
http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_teatro/index.cfm?fuseaction=personalidades_biografia
ANTUNES FILHO (1929)
José Alves Antunes Filho (São Paulo SP 1929). Diretor. Pertence à primeira geração de encenadores brasileiros, discípulo dos diretores do Teatro Brasileiro de Comédia. Participa ativamente do movimento de renovação cênica surgido nos anos 1960 e fins de 1970. É o primeiro diretor a empreender uma obra dramatúrgica e cenicamente autoral, com a montagem de Macunaíma, espetáculo considerado referência para os jovens encenadores dos anos 1980. Nos anos 1990, desloca suas preocupações para o Centro de Pesquisas Teatrais - CPT, grupo de produção, formação e desenvolvimento de novos conceitos e exercícios na busca do refinamento de um método próprio de interpretação para o ator.
Em 1952, ingressa como assistente de direção no Teatro Brasileiro de Comédia - TBC, onde tem a oportunidade de observar os trabalhos dos diretores Ziembinski, Adolfo Celi, Luciano Salce, Ruggero Jacobbi e Flaminio Bollini, todos estrangeiros, contratados para desenvolver, preparar e especializar a equipe da companhia. Estréia profissionalmente, em 1953, com a montagem de Week-end, de Noel Coward, encenada no Teatro Íntimo Nicette Bruno. O texto é uma comédia inteligente, apoiada num humor requintado, cuja montagem recebe tratamento natural e acelerado, consequência direta do ritmo inusitado e frenético imposto por Antunes Filho aos ensaios.
No fim dos anos 1950, funda e dirige a companhia Pequeno Teatro de Comédia, que estréia em 1958, espetáculo O Diário de Anne Frank, tendo a atriz Dália Palma como protagonista. Pelo trabalho de montagem, Antunes Filho é premiado como melhor diretor pela Associação Paulista de Críticos de Artes - APCA e pela Associação Carioca de Críticos Teatrais - ACCT. Dirige, em 1959, Alô...36-5499, de Abílio Pereira de Almeida, com assistência de direção de Ademar Guerra, marcando o início de uma parceria longa e de diversas montagens. Esse espetáculo representa, no momento, um desafio - conciliar o desejo de trabalhar com um texto nacional e com o aprofundamento de sua pesquisa estética ao retorno financeiro. Logo após encena Pic Nic, de William Inge. Nos três espetáculos explorando as fronteiras estéticas do realismo, Antunes Filho alcança a coesão pretendida para as encenações, o que lhe rende reconhecimento e afirma o seu talento como diretor. A virada da companhia, contudo, vem com Plantão 21, de Sidney Kingsley, ambientado numa delegacia de polícia, motivo para uma movimentação constante de 30 atores vivendo situações de violência e crua exposição dos conflitos. A excelente exploração cênica de Antunes Filho permite uma condução quase cinematográfica no desempenho dos atores. Nessa peça, Jardel Filho se destaca entre os atores de um elenco, que também presencia a estréia de Laura Cardoso.
Viaja à Itália em 1960, para um estágio com Giorgio Strehler no Piccolo Teatro de Milão. De volta ao Brasil, dirige um polêmica montagem de As Feiticeiras de Salém. O texto de Arthur Miller, de um realismo psicológico bem construído, é, paradoxalmente, tratado pela direção com uma abordagem épica, desnorteando crítica e público.
O último espetáculo encenado pelo Pequeno Teatro de Comédia, em 1961, é Sem Entrada, Sem Mais Nada, de Roberto Freire, fruto das pesquisas e discussões realizadas no Seminário de Dramaturgia do Teatro de Arena, sobre a vida proletária a partir de um enfoque marxista e tendo à frente do elenco a atriz Eva Wilma. A peça é montada no palco do Teatro Maria Della Costa - TMDC, onde Maria Bonomi, colaboradora da companhia desde a montagem anterior, elabora a cenografia de uma habitação coletiva distribuída em cinco planos. Apesar de o programa da peça classificar a encenação como expressionista, a montagem de Antunes Filho é de um realismo enfatizado pelo depuramento formal, resultando num espetáculo teatralista, "canto do cisne" do Pequeno Teatro de Comédia, que enfrenta dura crise financeira.
Em 1962, com uma carreira sedimentada como um dos diretores mais destacados do período, volta ao TBC e encena Yerma, de Federico García Lorca, com cenários e figurinos de Maria Bonomi, música de Diogo Pacheco e um formidável desempenho de Cleyde Yáconis.
Já nesse período se avolumam opiniões contraditórias sobre a sua forte personalidade. Para alguns atores, o tratamento autoritário e a exigência de uma disciplina exemplar por parte dos elencos frustram algumas carreiras. Para outros, resultam em desempenhos brilhantes e diferenciados. Para o diretor, o trabalho dos atores não se restringe ao estudo das personagens: abarca todos os aspectos da montagem. Equipes são montadas para dar conta do estudo de um ângulo da obra, já que a base de seu método de trabalho é a busca do maior conhecimento possível sobre o universo da peça. Segundo Antunes Filho em entrevista concedida para o Diário de S. Paulo: "Se massacrar é obrigar o ator a estudar, a assumir responsabilidade do momento em que vive, é fazer do ator o senhor dentro do palco e dentro da história em que ele participa, então, nesse sentido, massacro o ator. Eu o quero independente, eu o quero senhor absoluto do palco (...) o ator terá que ser ao mesmo tempo cientista, artista, físico, matemático, professor de literatura, político e sociólogo. Pode ser meio utópico o que vou dizer, mas o ator será a grande síntese do conhecimento humano. (...) Se mostrar tudo isso ao ator é massacrar, então eu o massacro".1
Volta ao TBC, em 1964, para encenar Vereda da Salvação, de Jorge Andrade, cujo processo de montagem submete o elenco a uma bateria de laboratórios físicos e psíquicos, na busca de um instinto e uma verdade que resultam num realismo chocante. O espetáculo divide público e crítica, e a polêmica faz com que a casa o retire bruscamente de cartaz. Os prejuízos contabilizados apressam o fim do TBC como empresa.
Antunes Filho tem seu primeiro contato com a obra de Nelson Rodrigues com a encenação de A Falecida, em 1965, na Escola de Arte Dramática - EAD. No mesmo ano, cria o Teatro da Esquina e com ele encena A Megera Domada, de Shakespeare, bem recebido pela crítica. O êxito não se repete em Júlio César, uma realização relâmpago, confusa e cheia de incidentes, unânime fracasso com direito a show de vaias em pleno Theatro Municipal de São Paulo. Em 1967, Black-Out, de Frederick Knott, recupera o prestígio de Antunes, e apresenta uma elogiada interpretação de Eva Wilma.
Segue-se A Cozinha,, 1968, de Arnold Wesker, que anuncia seu retorno ao teatralismo. Esse é o último trabalho que o diretor desenvolve com o Teatro da Esquina. Afasta-se do ambiente teatral em plena ascensão da contracultura, para realizar um projeto cinematográfico, Compasso de Espera, sobre as contradições do negro diante das questões raciais no país.
Em 1971, em contraponto ao teatro gestual e metafórico - desencadeado a partir da visita do Living Theatre a São Paulo - Antunes Filho realiza uma encenação de Peer Gynt, de Ibsen, uma retomada da palavra e um resgate da colocação do homem no centro dos acontecimentos. A crítica atribui à iniciativa muitos méritos, como se o advento representasse um manifesto perante as vanguardas do momento. É também nesse ano, em consequência das perseguições e censura inflingidas pelo Regime Militar às companhias de teatro, que o diretor cria a empresa Antunes Filho Produções Artísticas, que passa a responder juridicamente por suas realizações.
Depois de uma série de montagens grandiosas, dirige o monólogo Corpo a Corpo, de Oduvaldo Vianna Filho, com Juca de Oliveira, em 1972, e, no ano seguinte, Nossa Vida e Em Família, do mesmo autor, com elenco encabeçado por Paulo Autran. Para recuperar os gastos com a montagem anterior, realiza uma produção comercial, a comédia policial O Estranho Caso de Mr. Morgan, de Peter Shafer, última realização exclusiva da empresa, abrindo seus serviços para outros produtores. Sandro Polloni contrata-o para dirigir a volta de Maria Della Costa aos palcos, após três anos de ausência, em Bodas de Sangue, de Lorca.
Em 1974, encena pela segunda vez um texto Nelson Rodrigues, Bonitinha, mas Ordinária, onde se destaca a interpretação de Miriam Mehler. No trabalho consecutivo, seu radicalismo não encontra espaço de atuação, o que o leva a assistir o fracasso da montagem Tome Conta de Amélie, vaudeville de Feydeau, novamente com Maria Della Costa. Sentindo-se marginal no teatro, Antunes abre uma nova frente de pesquisa, transferindo para a televisão os objetivos de sua investigação estética. Na TV Cultura, tem liberdade para realizar suas experimentações numa série de teleteatros, dentre elas, a inesquecível adaptação de Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, com Lilian Lemmertz no papel de Alaíde.
Mas Antunes persiste na busca por alternativas que o permitam produzir suas peças , o que o leva a montar, em 1975, uma cooperativa para encenar Ricardo III, de Shakespeare. Com essa montagem, "comédia tropicalista", viaja pelo Brasil, encerrando turnê no Theatro Municipal de São Paulo. A cooperativa termina ao fim da temporada.
Em seguida, dirige O Assalto, de José Vicente, produzida por Raul Cortez. Em 1977, encena Esperando Godot, de Beckett, com um elenco exclusivamente feminino. No ano seguinte, monta Quem Tem Medo de Virgínia Woolf?, de Edward Albee, produção novamente de Cortez, despedida do teatro convencional já que, no mesmo ano, realiza Macunaíma, que estréia em setembro de 1978, sua obra mais importante, dando uma virada radical em sua carreira.
Com o abrandamento da Censura e o clima de abertura, o teatro político ensaia seu retorno, enquanto, em contraponto, nascem outras tendências, entre elas as que expressam com irreverência o comportamento de uma nova geração, como o grupo carioca Asdrúbal Trouxe o Trombone.
Após ter conduzido grandes atores, em interpretações inesquecíveis, Antunes volta-se para os jovens, com os quais passará a conviver permanentemente. Macunaíma surge de uma oficina teatral, em torno da obra de Mário de Andrade. Ensaia por quase um ano - aprimorando seu método de tornar os atores criadores de um processo e de uma linguagem -, com o Grupo de Arte Pau-Brasil, até chegar ao texto final, de Jacques Thiériot. Macunaíma abre as perspectivas para um novo e ousado processo de criação: não mais pesquisar o universo de um texto dramático, mas construir uma dramaturgia a partir de um texto literário. A encenação explora diversas dinâmicas de um teatro coletivo, alcançando os contornos míticos propostos pelo texto. Macunaíma torna-se o espetáculo brasileiro mais visto e aplaudido no exterior, visitando inúmeros países em todos os continentes, participando de festivais e ganhando prêmios internacionais. Aqui, é reconhecido como um marco da encenação. Espetáculo que inaugura uma abertura para o trabalho de jovens diretores. Esses, na década seguinte, construirão seus espetáculos a partir de um trabalho cênico com os atores, sempre com uma leitura muito autoral e que dialoga com as mudanças introduzidas por Antunes Filho.
O grupo cooperativado que cria Macunaíma sofre reformulações e passa a chamar-se Grupo Macunaíma. Com este, Antunes dá continuidade ao aprofundamento de sua pesquisa por meio das produções: Nelson Rodrigues - O Eterno Retorno, 1981, reunindo quatro peças do autor, que são condensadas em Nelson 2 Rodrigues, 1982; Romeu e Julieta, 1984, de Shakespeare; Hora e a Vez de Augusto Matraga, 1986, baseada na obra de Guimarães Rosa; Xica da Silva, 1988, de Luís Alberto de Abreu; e Paraíso Zona Norte, mais dois textos de Nelson Rodrigues, 1989.
Para o crítico Yan Michalski, analisando a trajetória dessa fase pós-Macunaíma: "(...) são espetáculos que contêm uma base de gramática comum, simbolizada por um trecho da valsa Danúbio Azul, que ele adota como uma espécie de assinatura. Mas cada um possui perfil próprio, desenhado a partir de uma leitura pessoal do texto. Os três últimos inscreveram-se, por outro lado, na proclamada intenção de Antunes de empreender um estudo do homem brasileiro. Nem todos, na verdade, alcançam o mesmo padrão qualitativo: se Nelson 2 Rodrigues foi considerado por muitos até mesmo superior a Macunaíma, e fez, como este, triunfais tournées pelo exterior, Romeu e Julieta e sobretudo Xica da Silva foram recebidos com reservas. Mas, desde Macunaíma, qualquer nova realização de Antunes é um acontecimento excepcional, acima do padrão de excelência do teatro nacional; e o conjunto dos seus trabalhos da década de 80 leva o toque de um criador de admirável inventividade, rigor e apuro estético".2
Para viabilizar esse projeto de pesquisa, Antunes recebe subsídios do Serviço Social do Comércio - Sesc, conquistando, assim, uma infra-estrutura para a criação do Centro de Pesquisa Teatral - CPT, escola de formação e grupo permanente, ocupando o Sesc Vila Nova.
Nos anos 1990 os lançamentos prosseguem: Nova Velha História, 1991, texto construído em uma língua imaginária, tendo como base o conto infantil de Chapeuzinho Vermelho, de Grimm; Trono de Sangue, 1992, inspirado em Macbeth, de Shakespeare; Vereda da Salvação, 1993, sua segunda montagem do texto de Jorge Andrade; Gilgamesh, 1995, baseado na Epopéia de Gilgamesh, texto sumério escrito em 2.600 a.C.; Nas Trilhas da Transilvânia, 1995, uma leitura de Drácula e Drácula e Outros Vampiros, 1996, reformulação do espetáculo anterior. A partir de então, Antunes dedica-se mais exclusivamente aos trabalhos no CPT, formando atores que sejam simultaneamente intérpretes e dramaturgos. A série Prêt-à-Porter, exercícios de interpretação iniciados em 1998, ocupa essa nova empreitada, síntese da metodologia que desenvolve ao longo sua vida artística.
Em 2000 retorna às encenações, debruçando-se sobre as tragédias, realiza Fragmentos Troianos, inspirado em As Troianas, e, em 2001, Medéia, ambas de Eurípides.
Ainda na avaliação de Yan Michalski: "Antunes Filho é uma das figuras exponenciais do teatro brasileiro de hoje, talvez a única a integrar o restrito grupo internacional de encenadores que vêm renovando, obstinada e inspiradamente, a cena mundial. Incorporando no seu trabalho influências tão contraditórias como Bob Wilson, Tadeusz Kantor, Kasuo Ono, o expressionismo alemão, a psicanálise junguiana, a física moderna e, com crescente intensidade, a filosofia oriental, ele as funde numa escritura cênica de uma feroz coerência pessoal, com características ao mesmo tempo universais e brasileiras. Sua opção por trabalhar com atores jovens e inexperientes, lhe tem valido não poucas críticas (...). Mas este é um ônus que ele assume pagar para poder trabalhar num âmbito de liberdade de criação de que nenhum outro diretor brasileiro dispõe".3
Notas
1. ANTUNES FILHO. Entrevista do encenador ao Diário de São Paulo, 04 dez. 1973.
2. MICHALSKI, Yan. Antunes Filho. In: ______. Pequena enciclopédia do teatro brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro, 1989. Material inédito, elaborado em projeto para o CNPq.
3. Ibidem
*******************************************
CIBELE FORJAZ (1966)
Cibele Forjaz Simões (São Paulo SP 1966). Diretora e iluminadora. Encenadora paulista integrada às mais inquietas correntes de pesquisa cênica a partir das décadas de 80 e 90.
Em sua formação, Cibele passa pelo Centro de Pesquisa Teatral, CPT, de Antunes Filho, e pelo curso de direção teatral da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, ECA/USP. Seus primeiros trabalhos são realizados com o grupo Barca de Dionisos, do qual é uma das fundadoras, juntamente com o diretor William Pereira.
Projeta-se como encenadora no espetáculo A Paixão Segundo GH, inspirado na obra de Clarice Lispector, levando Marilena Ansaldi a um brilhante desempenho, em 1989. No ano seguinte, encena O Lamento de Ariadne, de Beatriz Azevedo, ainda pelo grupo Barca de Dionisos. Em 1991, dirige Woyzeck, de Georg Büchner, numa grande instalação cenográfica de Marcos Pedroso, dentro de um estacionamento na Rua Augusta. No mesmo ano, encena Florbela, texto que Alcides Nogueira extrai da obra poética de Florbela Espanca, destacando Denise Del Vecchio no papel título.
Em 1994 cria uma ousada versão para Álbum de Família, de Nelson Rodrigues, com o Núcleo de Pesquisa Teatral, grupo de São José dos Campos; voltando em 1997, com o mesmo elenco, à criação de Salve Manoel, Bandeira do Brasil!, baseada em poemas do escritor modernista. Ainda com esse conjunto encena, em 1998, A Vida de Galileu, de Bertolt Brecht, com Renato Borghi como protagonista.
Sua versão para Toda Nudez Será Castigada, um retorno à obra de Nelson Rodrigues, forma um novo grupo, a Companhia Livre, projetando a atriz Leona Cavalli, em realização de sucesso empreendida em 2000.
Uma versão brasileira para Woyzeck, texto de Georg Büchner, adaptado por Fernando Bonassi, estréia em 2002, no Rio de Janeiro, destacando Matheus Nachtergaele no desempenho central. Em São Paulo cria Um Bonde Chamado Desejo, de Tennessee Williams, consolidando Leona Cavalli entre as grandes jovens intérpretes dos últimos anos.
Como light designer sua carreira é pontuada de realizações expressivas. Desde sua estréia em Leonce e Lena, de Georg Büchner, em 1987, Cibele está presente em espetáculos marcantes, tais como Eras - Filoctetes/Horácio/Mauser, de Heiner Müller, direção de Marcio Aurelio; Fica Comigo Essa Noite, de Flávio de Souza, direção de Flávio de Souza; e Ópera Joyce, de Alcides Nogueira, direção de Marcio Aurelio, todas em 1988. No ano seguinte ilumina Essa Valsa é Minha, de William Luce, direção de Marcio Aurelio; O Burguês Fidalgo B, recriação do original de Molière, e Uma Relação Tão Delicada, de Loleh Bellon, ambas direção de William Pereira; Aoi, de Mishima, direção de Antônio Araújo. Nos anos seguintes está, entre outros, em O Amor de Dom Pirlimplim com Belisa em Seu Jardim, de Federico García Lorca, direção de Maria Alice Vergueiro, 1992; I Love Vladímir Maiakóvski e Lili Brik, texto e direção de Beatriz Azevedo; Viagem à Forlí, de Mauro Rasi. A partir de 1993 passa a integrar o Teatro Oficina, responsável pelas criações mais expressivas desde então: Ham-let, de William Shakespeare; Os Mistérios Gozozos, de Oswald de Andrade, 1994; As Bacantes, de Eurípides, 1995; Édipo de Tabas, adaptação de textos de Sêneca e Sófocles, direção de Renato Borghi, pelo Teatro Promíscuo; Para Dar um Fim no Juízo de Deus, de Antonin Artaud, 1996; Ela, de Jean Genet, 1997; Tio Vânia, de Anton Tchekhov, direção de Élcio Nogueira, com o Teatro Promíscuo; As Três Irmãs, de Anton Tchekhov, direção de Bia Lessa; Cacilda!, texto e direção de José Celso Martinez Corrêa, todas em 1998.
Analisando a encenação de Um Bonde Chamado Desejo, de Tennessee Williams, o crítico Alberto Guzik observa: "Cibele Forjaz e a cenógrafa e figurinista Simone Mina criaram no centro do amplo palco do Sesc Belenzinho uma espécie de gaiola delimitada por fitas elásticas brancas, e ali situaram o drama. O espetáculo é belo, fluente, permeado de um clima de sonho e melancolia acentuado pela música de Cacá Machado e pela luz de Alessandra Domingues, que dialoga com o realismo, mas não se limita a ele. (...) Um Bonde Chamado Desejo confirma o importante papel que a diretora Cibele Forjaz está desempenhando no teatro brasileiro contemporâneo".1
Notas
1. GUZIK, Alberto. 'Bonde' faz do público testemunha da violência. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 8 mar. 2002. Caderno 2.
*****************************************
DENISE STOKLOS (1950)
Denise Stoklos (Irati PR 1950). Diretora, atriz e escritora. Intérprete de amplo repertório cênico e formação múltipla na área performática, Denise Stoklos atua, escreve e dirige seus espetáculos, que se caracterizam pela crítica à sociedade contemporânea e pela expressividade rebuscada.
Em 1968, enquanto cursa jornalismo na Universidade Federal do Paraná - UFPR e sociologia na Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUC/PR, encena o primeiro trabalho autoral Círculo na Lua, Lama na Rua, no qual é responsável pelo texto, pela direção e pela cenografia. Ainda em Curitiba, participa de outras produções amadoras e faz duas substituições nos espetáculos Arena Conta Zumbi e Arena Conta Tiradentes, ambos do Teatro de Arena, em temporada na cidade. Transfere-se para o Rio de Janeiro em 1973, e integra o elenco de Missa Leiga, montagem de Ademar Guerra. No ano seguinte, em São Paulo, faz Bonitinha, mas Ordinária, texto de Nelson Rodrigues, sob a direção de Antunes Filho. Em 1976, integra o elenco de Sai de Mim Tinhoso, uma colagem de textos de Bertolt Brecht dirigida por Luis Antônio Martinez Corrêa, e, em 1977, participa de Um Ponto de Luz, de Fauzi Arap, com a Royal Bexiga's Company.
Parte então para o exterior, passando por Israel e países da África e Europa. Em Londres faz cursos de mímica com Desmond Jones, de clown com Franki Anderson e de acrobacia com Eugênio Barba. A influência das especializações e as técnicas aprendidas levam Denise a produzir Three Women in High Heels, montagem que percorre diversas capitais européias, em 1979. Volta ao Brasil em 1980 e apresenta sua última criação, Denise Stoklos: One Woman Show, espetáculo solo cuja temática se estabelece em torno da maternidade e da natureza, misturando recursos de música e dança.
Em 1982, cria Elis Regina, peça sobre a obra da cantora, realizada pouco depois de sua morte. Passa breve temporada em Londres, voltando ao Brasil ainda em 1983 para encenar, sob a direção de Antônio Abujamra, Um Orgasmo Adulto Escapa do Zoológico, de Dario Fo e Franca Rame, obra solo com grande repercussão pública, sobretudo pelo uso de soluções mímicas e clownescas, sendo premiada com o Apetesp de melhor atriz.
Em 1987 parte para os Estados Unidos, onde cria Mary Stuart, lançado no Café La MaMa e trampolim para sua projeção internacional, além de fio condutor da produção Casa, espetáculo performático com o qual viaja diversos países, utilizando as línguas nacionais das regiões onde se apresenta, o que consolida sua carreira no exterior. É também essa produção que a faz estabelecer as bases do "teatro essencial", construído sobre as relações reflexivas, que se dão dentro de uma dimensão temporal específica e que atuam sobre atores, personagens, texto, contexto e público.
Suas últimas criações vinculam-se, cada vez mais, a temas sociais e políticos, como Um Fax Para Cristóvão Colombo, em 1992, Amanhã Será Tarde, em 1994, Elogio, em 1995, baseada em escritos de Jorge Luis Borges, Desobediência Civil, na qual se apropria de textos do pré-anarquista Henri Thoreau, em 1998, Vozes Dissonantes, sobre os 500 anos do descobrimento do Brasil, no ano seguinte. A partir de 2001, se dedica a criação de espetáculos que dialogam com a produção de outras artistas, como Louise Bourgeois, espetáculo sobre a vida e obra da escultora francesa, apresentado novamente no La MaMa, em Nova York, e, no Rio de Janeiro, Calendário de Pedra, baseado no poema Book of Aniversary, da escritora norte-americana Gertrude Stein.
Ao apreciar seu trabalho, comenta o crítico Yan Michalski: "(...) por trás do resultado convincente está não só uma inteligência criativa, mas também uma técnica segura e variada. Gestos nítidos, precisos, desenhados com elegância; um domínio do corpo que permite extrair efeitos surpreendentes desse fundamento da gramática mímica que é a variação rítmica; um rosto expressivo, versátil, capaz de intensas mutações; e uma arguta escolha dos poucos objetos usados como apoios, quer se trate de máscaras ou de objetos de uso cotidiano transformados em símbolos".1
Notas
1. MICHALSKI, Yan. Denise Stoklos, uma artista do gesto. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, p. 2, 03 fev. 1981.
******************************************
GABRIEL VILLELA (1958)
Antônio Gabriel Santana Villela (Carmo do Rio Claro MG 1958). Diretor, cenógrafo e figurinista. Um dos talentosos e requisitados diretores surgidos na década de 1990, dotado de uma teatralidade barroca, vigorosa, com freqüentes apelos ao imaginário brasileiro.
Após formar-se como diretor teatral pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo - ECA/USP, estréia, em 1989, com o espetáculo Você Vai Ver o Que Você Vai Ver, de Raymond Queneau, primeira produção do grupo Circo Grafitti. Em seguida, dirige O Concílio do Amor, de Oscar Panizza, uma produção do grupo Boi Voador. Ainda em 1989, cria o espetáculo Relações Perigosas, uma adaptação teatral de Heiner Müller para a obra de Chordellos de Laclos, com atuação da atriz Ruth Escobar.
Com Vem Buscar-Me que Ainda Sou Teu, 1990, de Carlos Alberto Soffredini, recebe Apetesp de melhor cenografia e Molière e Shell de melhor diretor, a peça é uma dramatização da célebre canção O Ébrio, de Vicente Celestino. No mesmo ano, cria A Vida É Sonho, de Calderón de la Barca, em que a atriz Regina Duarte interpreta o príncipe Segismundo.
A partir de 1992, inicia uma profícua relação com o grupo mineiro Galpão, encenando uma adaptação para a rua de Romeu e Julieta, de William Shakespeare, empreendimento bem-sucedido que culmina em muitas viagens pelo Brasil e Europa, arrebatando diversos prêmios, considerado um marco da década de 1990.
Dirige A Guerra Santa, em 1993, uma versão brasileira de A Divina Comédia realizada por Luís Alberto de Abreu, tendo Beatriz Segall à frente do elenco e em 1994, A Falecida, de Nelson Rodrigues, com Maria Padilha. No ano seguinte cria, com o Galpão, A Rua da Amargura, texto de Eduardo Garrido que explora os ritos da Semana Santa nos circos-teatros, ganhando os prêmios Molière e Shell de melhor direção. Em 1995, dirige Marieta Severo, no espetáculo A Torre de Babel, de Fernando Arrabal.
Em 1996, dirigindo Renata Sorrah e Xuxa Lopes, realiza espetáculo a partir do texto Mary Stuart, de Schiller. No mesmo ano, estréia O Mambembe, de Artur Azevedo, uma produção do Teatro Popular do Sesi - TPS, encena Ventania, de Alcides Nogueira, e A Aurora da Minha Vida, de Naum Alves de Souza. E, com os atores do Teatro Castro Alves, na Bahia, cria uma versão multicultural para O Sonho, obra de August Strindberg.
Com atores do núcleo Glória, em 1997, no Rio de Janeiro, encena dois espetáculos polêmicos: Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, e A Vida É Sonho, de Calderón de la Barca.
Em 1999 monta Replay, de Max Miller, e, em 2000, inaugura um série de retomadas da obra do dramaturgo e compositor Chico Buarque, com a montagem de A Ópera do Malandro. Em 2001, seguem-se mais duas realizações com texto de Chico Buarque, os musicais Os Saltimbancos e Gota d'Água, uma transposição de Medéia para o universo dos morros cariocas. Em 2002, lança A Ponte e a Água da Piscina, de Alcides Nogueira, onde J. C. Serroni desenha uma cenografia que sugere um espaço bombardeado, cercado por muros com cacos de vidro.
A encenação de Gabriel para Romeu e Julieta é uma das grandes montagens brasileiras do texto de Shakespeare, como destaca Alberto Guzik: "O mineiro Gabriel Villela mergulhou em suas memórias de infância. Buscou músicas de procissões e serenatas para compor a trilha sonora e encomendou a Luciana Buarque figurinos recriados a partir de velhas roupas de teatro. Usou vários elementos circenses para definir a estética do trabalho. Os atores se apresentam sobre pernas-de-pau ou caminham como se fossem equilibristas sobre a corda bamba. Esse Romeu e Julieta, interpretado com graça e arrebatamento pelo Grupo Galpão, ganha a plena dimensão quando apresentado na rua".1
Notas
1. GUZIK, Alberto. 'Romeu e Julieta', na montagem apaixonante do Grupo Galpão. Jornal da Tarde, São Paulo, p. 12, 01 fev. 1994.
**********************************************
GERALD THOMAS (1954)
Geraldo Thomas Sievers (Rio de Janeiro RJ 1954). Diretor. Polêmico encenador, criador de uma estética elaborada a partir do uso diferenciado de cada um dos recursos teatrais e orientada pelo conceito de "ópera seca", Gerald Thomas renova a cena brasileira nas décadas de 1980 e 1990.
A carreira de Gerald Thomas tem início em Londres, onde participa do grupo performático e multimídia Exploding Galaxy. No grupo amador Hoxton Theatre Company, realiza suas primeiras experiências como diretor. Vai para Nova York, e trabalha no La MaMa, espaço dedicado a encenações experimentais de todo o mundo, onde produz três espetáculos consecutivos, com textos de Samuel Beckett. Desde o primeiro projeto, Thomas visa uma proposta teatral, na qual a identificação emocional seja suprimida, dedicando-se a mostrar o pensamento como processo, e o processo como tempo e espaço da cena.
Os dois primeiros espetáculos que o diretor encena no Rio de Janeiro são remontagens. Quatro Vezes Beckett, 1985, em que acrescenta o texto Nada à Trilogia Beckett, e Quartett, 1986, em que retoma o texto de Heiner Müller, ambos com um ano de intervalo em relação à montagem americana. Com o primeiro, interpretado por Rubens Corrêa, Sergio Britto e Ítalo Rossi, numa produção do Teatro dos Quatro, recebe o Prêmio Molière. O segundo tem no elenco Tônia Carrero e, novamente, Sergio Britto. Em Carmem com Filtro, 1986, o diretor utiliza texto de sua autoria para o espetáculo, protagonizado em São Paulo por Antonio Fagundes e Clarisse Abujamra, numa produção da Companhia Estável de Repertório - CER. O espetáculo e sua direção recebem o Prêmio Mambembe. No mesmo ano, cria um novo espaço cênico no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro - MAM/RJ, e encena Eletra Com Creta, espetáculo radical e controverso, no qual, por meio e telas e luz, cria um efeito de edição cinematográfica.
Funda, em 1986, a Companhia de Ópera Seca, onde solidifica sua dramaturgia paródica e desconstrutivista. O texto, vinculado ao momento da cena, não obedece uma forma estática e se estabelece, muitas vezes, a partir de frases e comentários. Elemento recorrente de suas produções, a voz gravada do diretor comenta, em off, a ação. Em alguns espetáculos essa função se duplica, o protagonista funciona como um porta-voz do diretor. A trajetória de Gerald Thomas como diretor está também marcada por longas parcerias, com a cenógrafa Daniela Thomas, criando ambientes hipotéticos e mutáveis, como a biblioteca da Trilogia Kafka, e com a atriz Bete Coelho, protagonista de seguidas encenações, admirada por sua capacidade de sintetizar em sua atuação o exagero e a crítica, a dramaticidade e o distanciamento, princípios cênicos da interpretação valorizados pelo diretor. A Trilogia Kafka, 1988, uma interpretação livre dos textos do escritor theco Franz Kafka, encenada em São Paulo, confere ao diretor o Prêmio Molière. A pesquisadora Sílvia Fernandes analisa o papel preponderante da luz na encenação, segundo o qual "a iluminação transformava o espaço cênico num lugar mutante, onde as cenas curtas eram decupadas pela rapidez dos cortes bruscos, resultando em imagens intermitentes que lembravam filmes do princípio do século".1
Em 1989, estréiam Carmem com Filtro 2 e Mattogrosso, ópera assinada pelo diretor em parceria com o músico Philip Glass. Thomas volta a Beckett encenando Fim de Jogo, em 1990. No mesmo ano, encena M.O.R.T.E., onde Bete Coelho, que faz seu último espetáculo na companhia, encarna o próprio autor do espetáculo, como criador e criatura da cena que anima. Fernanda Torres assume o papel central dos três espetáculos seguintes: The Flash and Crash Days - Tempestade e Fúria, 1991, ao lado da mãe, a atriz Fernanda Montenegro, O Império das Meias Verdades, 1993, e UnGlauber, 1994. Em Nowhere Man, 1996, Luiz Damasceno protagoniza a versão de Thomas para o mito do homem que faz um trato com o Diabo, vendo em Fausto o artista que troca a alma pela fama. Ao remontar Quartett, ainda 1996, com Edilson Botelho e Ney Latorraca, transforma os dois personagens em açougueiros e os coloca em uma câmara frigorífica para abordar os limites de sobrevivência da espécie humana. Em 1997, estréia Os Reis do Iê-Iê-Iê, no Festival de Curitiba. No mesmo ano, em Belo Horizonte, encena A Breve Interrupção do Fim, com o Grupo de Dança 1º Ato. Em 1999, cria Ventriloquist, uma metáfora para a polifonia do discurso e, no ano seguinte, Tragédia Rave. Em 2000, estréia NxW (Nietsche x Wagner), e Esperando Beckett. O Príncipe de Copacabana e Deus Ex-Machina são montados em 2001 e, em 2003, encena Tristão e Isolda, de Richard Wagner, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Paralelamente às estréias brasileiras, Gerald Thomas encena espetáculos em outros países, principalmente na Alemanha.
Para o filósofo Gerd Bornheim, Gerald Thomas representa, no campo das discussões teatrais, mais do que um propositor de estéticas, mas "um pensador prático criador de uma Poética, ou seja, de um modo de produzir o novo".2
No último capítulo do livro que escreve sobre a obra do encenador, a pesquisadora Sílvia Fernandes conclui: "Sem território fixo, com espaço que se subleva à intervenção da luz, com a música impactante que desnorteia os sentidos, com os retalhos de personagens arrastados pelo ator com o narrador que é também encenador e, como ele, se recusa à narrativa, com os corpos de leitmotive seccionando a cena em minúsculas veias sentindo, com movimento construtivo em progresso, que leva o espetáculo seguinte a negar o anterior, a encenação de Thomas transforma o espectador em parceiro de um jogo libertário, feito sem regras fixas. Compõe um anteparo subversivo ao desejo, demasiado humano, de totalização".3
Notas
1. FERNANDES, Sílvia. Memória e invenção: Gerald Thomas em cena. São Paulo: Perspectiva, 1996. p. 23.
2. BORNHEIM, Gerd. In: CARMEM COM FILTRO 2. Direção Gerald Thomas; texto Gerd Bornheim. Rio de Janeiro, 1989. 1 folder. Programa do espetáculo, apresentado em 1989.
3. FERNANDES, Sílvia. Memória e invenção: Gerald Thomas em cena. São Paulo: Perspectiva, 1996. p. 298-299.
***********************************************
LUIS OTAVIO BURNIER (1956-1995)
Luís Otávio Sartori Burnier Pessôa de Mello (São Paulo SP 1956 - Campinas SP 1995). Diretor e ator. Intérprete e performer de largos recursos, ligado à antropologia teatral, um dos fundadores e líder do grupo LUME.
Cursa artes plásticas no Conservatório Carlos Gomes de Campinas, formando-se em 1969, ali também freqüentando cursos de interpretação e direção teatral. Entre 1976 e 1980 faz o curso de estudos teatrais do Institut d'Etudes Theatrales da Sorbonne Nouvelle, Paris, França. Conhece as manifestações asiáticas em 1979, num curso sobre kathakali, no Centre Mandapa, e a Ópera de Pequim, com Mme. Tang (do Musée de l'Homme), na Sorbonne. Em 1983 inicia-se na Antropologia Teatral, através de um estágio com Tereza Nawrot, aprofundado, no ano seguinte, com Togeir Wethal e Roberta Carreri, no Odin Theatr de Eugênio Barba. Em 1985, obtém o mestrado na Sorbonne Nouvelle com uma tese sobre formação do ator. Nos três anos seguintes, faz cursos de mímica nas escolas de Etiènne Decroux e Jacques Le Coq, além de dança moderna com Cynthia Briggs.
Essa formação múltipla leva-o a ministrar aulas no curso de Artes Cênicas da Universidade Estadual de Campinas, Unicamp, onde cria o Laboratório Unicamp de Movimento e Expressão, LUME, iniciando a pesquisa e divulgação mais estruturada da antropologia teatral no país. Cria, dirige e interpreta muitos espetáculos, com destaque para Burna, 1974; La Statuaire Mobile, 1978; Curriculum, 1979, Hablando Com El Cuerpo, 1981, e Linguagem do Corpo, 1982. Em 1983 faz a direção de atores de Rei Lear, de Shakespeare, montagem de Celso Nunes para o Teatro dos Quatro.
Após a criação do LUME dirige Macário, 1984; Circo da Paz, de Juan Rulfo, em Campinas, 1986, e O Guarani, de Carlos Alberto Soffredini, em 1986, no Teatro Ruth Escobar. Em 1988 encena Kelbilim, O Cão da Divindade, solo do ator Carlos Simioni. Em 1991 encena Wolzen, uma adaptação livre da Valsa nº 6, de Nelson Rodrigues. Em 1995 inicia a direção de Cnossos, com o ator Ricardo Puccetti, trabalho que não chega a concluir, falecendo em meio ao processo.
Burnier participa, ainda, de incontáveis eventos em diversas partes do mundo, ligados à pesquisa, ensino ou divulgação das técnicas da antropologia teatral. Torna-se membro da International School of Theatre Anthropology, ISTA, em 1992. É o tradutor brasileiro de duas importantes publicações: Além das Ilhas Flutuantes e A Arte Secreta do Ator - dicionário de antropologia teatral, ambos escritos por Eugênio Barba.
Analisando seu trabalho, anota a professora Suzi Frankl Sperber: "Com sensibilidade fina, atores e Luís Otávio apreenderam aquilo que caracteriza o universo dos simples do interior do Brasil. Este que parece arcaico e rústico, é uma sabedoria. Está no não dito, na ação, sobretudo nos gestos, na postura física, no corpo do excluído e das personagens. O que é dito não é representação: fundamentalmente é - dando força ao não dito. Este revela e ao mesmo tempo faculta a contemplação e a quietude. Entrelaça atores, personagens e público, num congraçamento que se assemelha a um ritual e com uma força e uma vitalidade que estão fazendo falta no cenário das artes cênicas".1
Notas
1. SPERBER, Suzi Frankl. O Lume, a pesquisa da arte de ator no Brasil e a expressão do sagrado. Revista do Lume, Campinas, n. 2, p. 56-61, 1999.
****************************************************
RENATO COHEN (1956-2003)
Renato Cohen (Porto Alegre RS 1956 - São Paulo SP 2003). Diretor, performer e teórico. Pesquisador de arte e tecnologia, atua em São Paulo desde meados dos anos 80, um dos diretores mais conectados às inovações multimídias e performáticas.
Após realizar mestrado e doutorado na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo - ECA/USP, com temas associados às técnicas da performance, Renato Cohen torna-se professor da Universidade Estadual de Campinas, Unicamp e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP, respeitado como um especialista em tais domínios.
O grupo por ele dirigido, Orlando Furioso, possui como eixo de investigação a extensão do conceito de cena e de teatralização, incorporando recursos da performance, das artes plásticas, do cinema e dos audiovisuais, almejando encontrar uma obra de arte total. O grupo é precursor da associação entre arte e tecnologia no Brasil. As montagens do Orlando Furioso são pioneiras também, no uso de espaços não convencionais, utilizando bosques, galpões, piscinas e sites virtuais em suas montagens. Nesse sentido, a pesquisa volta-se para a espetacularidade da cena, a atuação performática, o uso de narrativas não-lineares que incorporam o acaso e o processo e as relações com o público.
Sua estréia dá-se com Magritte, o Espelho Vivo, em 1986, inspirado na obra de René Magritte, concebido para um espaço no Museu de Arte Contemporânea, MAC, utilizando parte das salas reservadas às Bienais, no Parque do Ibirapuera. A não-delimitação entre as linguagens empregadas cria a ambígua posição da obra entre teatro e performance. A crítica Mariângela Alves de Lima comenta o espetáculo: "Magritte, o Espelho Vivo, dialogava de modo original com a ilogicidade sugerida pela obra do artista belga. Mas associava à temática atemporal da psique profunda os recursos do vídeo e a alta definição corporal da performance. E foi especialmente notável, para um grupo iniciante, o acabamento técnico que se expressava por um trabalho coreográfico exigente e criativo e pela virtualidade que nada ficava a dever ao repertório surrealista consagrado".1
Sturm and Drang/Tempestade e Ímpeto, em 1991, é realizado no jardim da Casa Modernista, na Vila Mariana, abrindo-se no ambiente natural um discurso sobre os horizontes da criação poética.
Em 1995, Renato Cohen debruça-se sobre Vitória Sobre o Sol, segundo ele "uma recriação sobre repertórios do futurismo russo, nas obras de Velimir Khlébnikov, Maiakóvski, Malévitch e do místico Gurdjieff". Em 1997, concebe Ka-Poética, inspirado em Vélimir Khlébnikov, autor radical ligado às vanguardas russas do começo do século, com um novo grupo, denominado Ka. O trabalho foi concebido como "hipertexto épico" e produzido pelo Laboratório de Mídia da Unicamp. Ainda em 1997, avançando na pesquisa sobre as vanguardas históricas, cria Máquina Futurista, uma performance sobre arte e tecnologia, que integra a Mostra de Arte e Tecnologia do Itaú Cultural. O grupo de Renato Cohen torna-se um dos primeiros grupos brasileiros a realizar performances - em tempo real - para audiência na rede. Na mesma ocasião, com pacientes psiquiátricos, encena Ueinzz, Viagem à Babel, experiência limite com não-atores.
O texto de Gertrud Stein Dr. Faustus Liga a Luz, encenado com o grupo Ka, constitui-se em nova experiência com os limites da linguagem, em 1999. No mesmo ano, retoma o trabalho com o grupo Ueinzz, originado na vivência com pacientes psiquiátricos, criando Dedalus, e, em 2001, realiza com eles Gothan São Paulo, ambos "apresentados poucos dias para o público paulistano, mas suportadas por uma investigação teórica que contribui para procedimentos terapêuticos e para o campo da arte-educação".2
Como autor, Renato escreve A Performance Como Linguagem, primeira incursão brasileira sobre o tema, em 1989 e, dez anos depois, publica Work in Progress na Cena Contemporânea, obra que analisa realizações de criadores de vanguarda, como também resgata as origens nas pesquisas das vanguardas históricas.
Fazendo um artigo por ocasião do súbito falecimento do artista, a crítica Mariângela Alves de Lima analisa a contribuição de Renato Cohen: "Duas tábuas e uma paixão não seriam suficientes para o diretor, professor e teórico Renato Cohen, morto há uma semana. Sua última criação, definida como a busca de 'novas arenas de teatralização' projetava-se em direção ao espaço combinando representações presenciais feitas no Brasil com outras emitidas de outros pontos do planeta. Sintonizando com a vanguarda do século 20 revia, a cada trabalho, as matrizes teóricas e os suportes materiais da representação. O tempo pretérito do verbo, aliás, parece especialmente inadequado para esse artista focado no devir da arte cênica".3
Notas
1. LIMA, Mariângela Alves de. Um teatrólogo focado no futuro. São Paulo, O Estado de S. Paulo, Caderno 2, 25 out. 2003.
2. Idem.
3. Idem.
***************************************************************
ULYSSES CRUZ (1952)
Ulysses Cruz (São Paulo SP 1952). Diretor. Encenador que desponta nos anos 80, marcado pela forte visualidade que imprime às realizações, partindo, preponderantemente, de adaptações de obras literárias para a cena.
Suas primeiras montagens são na Fundação das Artes de São Caetano do Sul, onde monta O Coronel dos Coronéis, de Maurício Segall, em 1981, e o musical Lola Moreno, de Bráulio Pedroso, Geraldo Carneiro e John Neschling, em 1982.
Em 1983 torna-se diretor assistente de Antunes Filho no Centro de Pesquisa Teatral, CPT, colaborando numa remontagem de Macunaíma e nas criações de Nelson 2 Rodrigues e Romeu e Julieta, aprendizado que lhe permite alçar novos vôos criativos. Ali mesmo cria, em 1985, com o grupo Boi Voador, uma primorosa encenação de Velhos Marinheiros, inspirado em Jorge Amado. Desligado do CPT, o grupo inicia vida própria, elaborando em 1986 uma ousada versão para O Despertar da Primavera, de Frank Wedekind. Ligado à Escola de Samba Vai-Vai, Ulysses cria enredos e desfiles nos anos de 1986 e 1987. Sobre seu trabalho nesse período declara o crítico Yan Michalski: "Um estilo próprio, no qual bem assimiladas influências das descobertas cênicas de Antunes fundem-se com uma empostação épica, e que alcançou em Os Velhos Marinheiros, adaptação de um romance de Jorge Amado, e O Despertar da Primavera, de Frank Wedekind, um resultado interessante".1
Além de Fragmentos de um Discurso Amoroso, livre adaptação para a obra de Roland Barthes, em 1988; Ulysses desdobra-se em mais quatro encenações: com o grupo Boi Voador põe em cena Corpo de Baile, espetáculo que se apropria de arquétipos e figuras inspiradas em Guimarães Rosa; com renovado sopro poético cria, em São Paulo, A Cerimônia do Adeus, de Mauro Rasi, destacando Marcos Frota, Antônio Abujamra e Cleyde Yáconis nos desempenhos centrais; em Portugal elabora uma ousada versão para Henrique IV, de Luigi Pirandello; e, com o grupo Delta de Londrina, cria Erêndira, baseado em Gabriel García Márquez.
Em 1989 encena, destacando a atriz Renata Sorrah, Encontrarse, novamente de Luigi Pirandello, em controvertida montagem. No ano seguinte, encena A Secreta Obscenidade de Cada Dia, de Marco Antônio de la Parra, afirmando Antônio Abujamra em sua carreira de ator. Em comemoração ao vigésimo aniversário do Teatro Municipal de Santo André monta História do Soldado, de C. F. Ramuz e Igor Stravinsky, com a participação do Corpo de Baile Especial, Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal, e dos atores Antonio Fagundes, Antônio Petrim, Cacá Carvalho, entre outros. Novamente com o Boi Voador, encena Pantaleão e as Visitadoras, adaptação do original de Mario Vargas Llosa, 1990, e El Señor Presidente, baseado em Miguel Angel Asturias, 1992. No mesmo ano realiza mais uma parceria com Antonio Fagundes: Macbeth, de William Shakespeare. Envereda, em 1994, numa personalíssima versão para Anjo Negro, de Nelson Rodrigues. Em 1995, para o Teatro Popular do Sesi, TPS, monta Péricles, Príncipe de Tiro, outro Shakespeare, com uma exuberante cenografia de Hélio Eichbauer. Rei Lear, em 1996, e Hamlet, destacando Marco Ricca em 1997, representam novas incursões sobre a obra shakespeariana. Nesse ano, é convidado a integrar o grupo de diretores da TV Globo.
Yan Michalski reafirma Ulysses Cruz como um dos artistas hegemônicos no teatro de encenação, próprio desse período: "Entre os diretores revelados na década de 80, Ulysses Cruz distingue-se pelo seu espírito experimental, preferindo trabalhar com elencos jovens e em cima de uma matéria-prima literária extraída de obras originalmente não teatrais; o que não o impediu de mostrar, por exemplo, em Cerimônia do Adeus, onde dirigia atores consagrados num texto escrito para o palco, um ofício sólido e um generoso sopro de inspiração. Com uma carreira profissional sólida, é um dos encenadores mais solicitados e respeitados de sua geração, conforme atestam os prêmios concedidos às suas montagens".2
Notas
1. MICHALSKI, Yan. Perfil Analítico dos anos 80. Rio de Janeiro: s.e., s.d. Material datilografado.
2. MICHALSKI, Yan. "Ulysses Cruz". In PEQUENA Enciclopédia do Teatro Brasileiro Contemporâneo. Material inédito, elaborado em projeto para o CNPq. Rio de Janeiro, 1989.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário